20 de setembro de 2006

Retratos de Família – Phil Morrison


Família é uma coisa estranha... e única. Por mais que sejamos diferentes uns dos outros, por mais que fiquemos separados por divergências perenes, e que se acentuam com o passar do tempo.Mesmo assim, existe sempre uma ligação muito forte, uma ligação de genes. Pessoalmente, isso sempre foi um ponto crucial em minha vida. Pessoas ligadas a mim, tão próximas e tão distantes.Uma espécie de amor, cheiros e formas que são herdados, que são indissolúveis. Confesso até que andei procurando respostas, até no espiritismo, sobre isso tudo, também outra luta minha, o meu racional e o meu espiritual. Eu, sempre confuso, procurando me adequar às minhas inadequações de vida, família e religião. Mas sempre seguindo em frente, pois se uma coisa aprendi, é que este convívio, às vezes sofrido e (infelizmente) poucas vezes prazeroso se faz necessário, num exercício constante de aprender a viver comigo e com os meus.Está escrito.

Falo isso tudo de mim, por ver direta ligação com o que é tão bem mostrado neste filme. Eu, nascido e criado na cidade grande. Quando criança, costumava adorar ir ao interior, na cidade de meu falecido e amado padrasto, uma cidade totalmente diferente da que eu conhecia, outro comportamento, outro tempo, outra paisagem.E o que achava mais estranho, é que me parecia que ele também mudava sua postura diante dos numerosos familiares. É como se uma parte dele, que estava fora, de repente se juntava, se acoplava naturalmente, e uma gama de sentimentos ressurgisse. Ele estava de volta, em casa, e um algo mais se incorporava a ele.

Falo isso tudo, pois acho que estes comentários são pertinentes ao personagem de George (Alessandro Nivola) no filme, e seu retorno depois de anos, ao lar e a sua família no interior da Carolina do Norte nos EUA. George é um recem-casado, com Madeleine (Embeth Davits). Ela é uma dona de galeria de artes em Chicago (onde moram), e interessada em expor uns quadros de um artista pirado, e do mesmo local dos familiares do esposo, aproveita a deixa para também visitar e finalmente conhecer a nova família. Mas como eles a recebem? É o encontro entre a sofisticada cidade grande, e o interior rústico, religioso e simples da Carolina. Ela é recebida com desconfiança, como um ponto de desequilíbrio na pacata vida deles. Peg (Célia Weston), a mãe desconfiada; Eugene (Scott Wilson), o pai taciturno e tímido; Johnny (Bem Makensie), o irmão de George, nervoso e calado. Ela só é bem recebida por Ashley (Amy Adams), mulher de Johnny, na verdade com total entusiasmo, já como uma irmã.

Ashley é o ponto focal da família, ela transpira doçura e ingenuidade, que supera a inconveniente tagarelice. Ela criva Madeleine de perguntas sobre sua vida, sua infância, seus valores.Perguntas como: “O que te faz pulsar?”. Ela é de longe o personagem mais interessante, graças a interpretação majestosa de Amy Adams (que concorreu e merecia ganhar o Oscar este ano como atriz coadjuvante por este personagem). Sua Ashley caminha entre o entusiasmo pelo novo e pela vida, da mesma forma que seu olhar passa uma tristeza e anseio de vida que poucas vezes vi num personagem. Ela está perfeita, rouba todas as cenas.

Em meio a isso, vamos conhecendo todos os personagens, sendo cada qual, um caso a parte. Mas o que paira no ar é a falta de comunicação que aquelas pessoas tão próximas, tem em comum.
Um bom exemplo é quando Madeleine, vê seu marido (com imensa surpresa, maior a que nossa, de espectadores), que numa determinada cena, numa festa, canta uma antiga canção, que cantava quando morava lá. Pois na verdade, o único meio de comunicação que eles têm é através do sexo. Ela vai percebendo que não o conhece, quando julgava que sim.

O ponto crucial no enredo, é quando Ashley entra em trabalho de parto e cada um deles é obrigado a se confrontar com suas prioridades.Escolhas são feitas. É quando Madeleine se surpreende mais ainda com o marido, ficando nítida a falta de comunicação entre eles. Nada será como antes.

Uma família simples, com cada um com suas angustias contidas, seus segredos inconfessáveis, pois não sabem viver de outra maneira. Alias, um dos grandes mistérios para mim, é no final, quando Eugene não entrega o passarinho de madeira para Madeleine. Por que será que não? O que será que se passa na cabeça dele?

Um filme simples.Com elenco e roteiro afiadíssimos, nos mostrando que dá tranqüilamente para se fazer um bom filme com o básico, não sendo necessário altas tecnologias e pirotecnias ocas.Um desses filmes que faz eu amar o cinema. Que deve ser visto e revisto, pois em cada semblante de cada um de seus personagens, em cada cena revista, descobrimos mais e mais daquelas pessoas tão parecidas, e ao mesmo tempo diferente de mim, de nós. Um dos cinco melhores de 2006. E isso, diante da quantidade de filmes assistidos, não é pouco. Quem não viu, vá correndo na locadora, mesmo que depois vá me xingar. Mas veja!

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